Dando Nota

Rodrigo Alves

Até breve!

Publicado no Jornal de Piracicaba em 26 de outubro de 2017

O ritual se repetiu por várias quartas-feiras noturnas. Às vezes terça, às vezes domingo. Mas quarta, em especial, era o dia previamente estabelecido.

Uma taça de vinho, o computador ligado. Mente focada. Silêncio, quase sempre. Uma música para inspirar, vez ou outra. Mesmo nas férias do trabalho e nos feriados, era compromisso santo.

Desse rito, quase uma oração, pipocavam ideias. O desafio inicial? Apresentar-me aos amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos como articulista. Missão que parecia fácil, dado o período quinzenal inicialmente estabelecido.

Foi diante de uma tela em branco que descobri o branco da mente. Quantos sentimentos prontos para ganhar o papel e quanta incapacidade da minha parte em convertê-los em frases, expressões e ideias?

Às vezes, a mente funcionava numa velocidade tão estonteante que os dedos não conseguiam acompanhar. Às vezes, brotavam uns erros na impressão que me tiravam o humor do dia. Às vezes, escrevia acreditando que o assunto suscitaria inúmeros debates. E não recebia retorno algum. Às vezes, julgava entregar um texto fraco, sonso e sem graça. E, de repente, choviam comentários.

Era para escrever só sobre cultura. Era para ser a cada quinzena. Depois mudou para semanal. Depois vieram assuntos políticos, filosofia de boteco, blablação e crônicas despretensiosas. O leque se abria e se fechava. Do nada, todos os assuntos fugiam da mente. Só restava a tela em branco. A taça de vinho ficava vazia. As palavras sempre brotaram, porém.

Chegou o dia em que eu preciso dizer um “até breve” aos leitores e amigos que me acompanham neste espaço do JotaPê. Prefiro um até logo, não um adeus, por achar que a expressão melhor se adequa ao contexto.

Desde 2012, quando recebi o convite para me aventurar como articulista, os desafios foram incontáveis. Incontável foi a busca por temas relevantes, que pudessem fisgar a atenção a cada palavra.

Como repórter, a minha rotina sempre foi a de ouvir as pessoas, apurar os fatos, redigir as notícias e editá-las. Nas escritas semanais como articulista, descobri um outro universo, pelo qual me apaixonei.

Encontrei um mundo que me aproximou de muitas pessoas e me distanciou de outras tantas. Um mundo que me fez entender o quão complexo é o paradoxo da opinião.

Quando tentei ser descontraído, levei fama de mal-humorado. Ao falar de paz, fui chamado de intolerante. Nas discussões sobre liberdades democráticas, me classificaram de esquerdopata. Fui perseguido também. Sendo tenso, pesado, leve, solto, inspirado, honesto ou falso, pouco importa. Escrevi com todos os sentimentos, sem me arrepender de uma linha.

Agradeço a direção desse periódico pela confiança, aos editores pela paciência, aos ilustradores pela capacidade em transpor em traços as ideias e aos leitores pelos minutos.

Desde o início de minha trajetória no jornalismo, evoco Clarice Lispector para definir o que o ofício da escrita me representa. Até hoje, as frases do livro A Descoberta do Mundo são as mesmas que ditam o meu caminhar: “escrever é uma maldição… mas é uma maldição que salva!”

Um comentário em “Até breve!

  1. Helen
    5 de junho de 2018

    Por onde anda, seus escritos? Está fazendo falta.

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Publicado em 26 de outubro de 2017 por em Opinião.

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