Dando Nota

Rodrigo Alves

“As Patacoadas de Cornélio Pires” no 3º Fentepira

Thiago Altafini

Crédito: Thiago Altafini

A cultura caipira em nosso país, já dizia a folclorista Dinah Castilho, é uma herança dos nossos antepassados. Ela vem do portugueses e espanhóis colonizadores, homens que desbravavam as matas e levavam consigo a viola como consolo. Era por meio da música que eles choravam a saudade da sua terra e viviam a esperança de um futuro melhor. Ora, como sempre disse Dinah, todo brasileiro, mesmo que nunca tenha pisado no chão batido de terra vermelha, é essencialmente um caipira.
Essas raízes ficam mais fortes quando o Grupo Andaime de Teatro – ligado à Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) – sobe ao palco para encenar “As Patacoadas de Cornélio Pires – Uma Estrepolia Musical em Dois Atos e Uma Chegança”, que assisti no Teatro Unimep e fiz questão de rever hoje (24/11/2008) no Teatro Municipal “Dr. Losso Netto”, como o terceiro espetáculo a se apresentar na mostra competitiva do 3º Fentepira (Festival Nacional de Teatro de Piracicaba).
Como o próprio nome sugere, a peça caminha em direção ao trabalho realizado pelo escritor, jornalista, humorista, compositor, poeta, folclorista e contador de causos Cornélio Pires (1884-1958), natural de Tietê.
Ao invés de priorizar a biografia – e havia conteúdo suficiente para isso – a trupe unimepiada optou por mostrar diferentes tipos de caipira: o malando, o contador de histórias, o nostálgico e sonhador, e por aí vai.
O texto é inteirinho acompanhado por instrumentos caipiras – principalmente a viola – como zabumba, triângulo, pandeiro, flauta, guitarra e sanfona. Lembrando que ali são atores na qualidade de músicos (exceto Domingos de Savi Neto), que estão afinados como cantores e souberam executar muito bem tais instrumentos.
Logo na abertura da peça, um berrante anuncia que nos palcos vai rolar muita música. Entra em cena junto dos autores alguns objetos do cotidiano da roça: as enxadas, vassouras, pilão, entre outros artifícios que acabam revelando sua sonoridade e servem naquele momento de instrumento musical. O canto introduz o público à história da vida de Cornélio Pires.
Dividido em esquetes – que poderiam muito bem serem chamados de causos – a peça segue com a tradicional ladainha religiosa para contar um equívoco cometido por um padre surdo: ao invés de batizar o menino de Rogério, como queriam seus pais, ele o chama de Cornélio. Mas o que já está feito pelo religioso não pode ser mudado e Cornélio Pires acaba soando bem aos ouvidos.
A música volta novamente à cena e os atores detalham uma breve biografia do tietense, que aos 17 anos partiu para São Paulo e se tornou jornalista do jornal “O Estado de S. Paulo”. No enredo tem espaço ainda o tradicional Hino do XV de Piracicaba (carchará de fórfe, asa de barata, trêz vez cinco é quinze…).
Barbosa Neto e Maria Trevisan mostram a relação de timidez do caipira em relação aos sentimentos, como o o primeiro beijo, cena inclusive que acontece em uma capela. 
Teve ainda pescaria, causos de pescadores, lendas de assombração, partida de truco, conversas regadas à tradicional cachaça (ou pinga das boas!), desafio do cururu e as lembranças de uma velha parteira, a Dona Dita. 
Me diverti muito também com Maria Trevisan relatando a enciclopédia caipira: (fuá, em caipirês, quer dizer confusão, o mesmo que tropé e pega pra capá; paió é o depósito de milho e patacoada significa brincadeira…).
Um dos trechos do espetáculo que mais me divertiu foi aquele em que o garoto da cidade vai visitar o tio no interior. O trecho, no entanto, esconde uma bela critica, pois mostrar como o caipira tem sido visto com olhar “fetichista” no ambiente acadêmico (retomo aqui à figua de Dinah Castilho, que no passado foi duramente criticada pela academia por querer pesquisar o caipira e hoje é requisitadíssima no ambiente universitário).
Mas voltando em si à atuação do grupo para esse esquete, vale citar, neste caso, que o garoto urbano está no campo para fazer um trabalho para a faculdade sobre a influência do caipira na transformação do capitalismo e a preservação do “meio-ambiente”. Cena de destaque: o tio da roça descasca a laranja e oferece ao sobrinho. O garoto diz “olha, é como Fanta!”. Ao ver a casca da laranja caída no chão, ele a pega e se diz diante de uma obra de arte, um material perfeito para o seu trabalho acadêmico. Na hora, uma personagem diz “quanto mais estuda, mais burro fica”.
Ainda nesssa história, os atores divertiram a platéia com imitações de pássaros.
Lendo até aqui o texto, a impressão que fica é a de que se trata de uma comédia musical. Mas o Andaime quebra este conceito com cenas bem elaboradas de drama e emocionou a platéia. Emoção principalmente quando entra a personagem Dona Dita, parteira e vó de Cornélio. Ela recebe a visita do neto que está para anunciar sua partida para a cidade. “A vida aqui na roça é dura, mas aqui sempre foi o meu lugar”, disse o personagem de Cornélio. “Vou partir deixando o meu coração aqui”, completou. A vó, demonstrando sabedoria, disse: “esse só vorta dispois de morto”. E foi o que aconteceu… Cornélio morreu na capital, mas foi enterrado em Tietê.
Ao término da apresentação, durante o bate-papo com a platéria e o júri, o Andaime recebeu declarações emocionadas: uma vinda de um ator, que se dizia decepcionado por não encontrar mais emoção no teatro e ter reencontrado tal sentimento em “As Patacoadas…” (o menino até chorou depois de fazer a declaração) e a outra do ator Rodrigo Polla, que exclamou: “vocês precisam levar esse espetáculo para fora, urgente!!!). O júri, por sua vez, se reconheceu distante do universo caipira, mas enfatizou que a peça conseguiu retratar esse universo com perfeição.
Da minha parte posso dizer que pedi “bis” exatamente por ter gostado muito na primeira apresentação. Particularmente, a peça me tocou por causa das minhas raízes interioranas (afinal venho de uma cidade de 7.000 habitantes extremamente caipira), mas também por eu ter sempre negado essa “caipirisse”. Mas quis o destino que eu procurasse uma cidade maior para anular as minhas origens e parasse exatamente aonde o caipira é mais valorizado! O Andaime está aí para mostrar isso e não é apenas com “As Patacoadas…”!
Já admirava o trabalho do grupor com “Lugar Onde o Peixe Pára”, “Nonoberto, Nonemorto”, “O Segredo de Café com Biscuit”, “Alice Através dos Tempos” e “Comovento…”. Agora, com “As Patacoadas…”, admiro mais ainda!
Que venham novos prêmios ao Andaime!

Histórico
O espetáculo “As Patacoadas…” teve sua pré-estréia no dia 25 de junho de 2008, no Sesc Piracicaba, como parte da programação da Semana Cornélio Pires. A estréia ocorreu nos palcos do Teatro Unimep (no dia 17 de agosto). 
Fora de Piracicaba, a peça foi apresentada em Tietê, na terra do próprio Cornélio, em Botucatu, entre outras. Até agora, dos festivais que participou, não saiu sem aplausos e prêmios: no 4º Festival de Teatro de Limeira (em outubro) ganhou 4 prêmios: melhor texto original e melhor trilha sonora (ambos para Luís Carlos Laranjeiras, a partir de pesquisa do grupo), melhor sonoplastia (Domingos de Salvi Neto) e 2º melhor espetáculo.
No Paraná, neste mês de novembro, também conquistou o júri do 36º Fenata (Festival Nacional de Teatro de Ponta Grossa). Os prêmios foram: melhor texto (Laranjeiras, a partir de pesquisa do grupo) e melhora ator coadjuvante (Bruno Agulharri). Neste mesmo evento, recebeu indicações para melhor trilha sonora (Antônio Chapéu, Jonatas Beck e Domingos Neto), melhor atriz coadjuvante (Maria Trevisan), melhor ator coadjuvante (Chapéu), melhor peça pelo juri popular e melhor peça pela comissão julgadora oficial.

Rodrigo Alves

5 comentários em ““As Patacoadas de Cornélio Pires” no 3º Fentepira

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  2. Sidnei Ramos Borges
    21 de março de 2010

    Muito bom o seu comentário sobre a peça. Tão “bão”, Rodrigo, que me deu uma vontade danada de assistí-la.

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  4. Bruno Agulhari
    25 de novembro de 2008

    Ê Rodrigo,
    Muito bom ler seu texto e descobrir suas impressões sobre a peça.
    Forte abraço!

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  5. Antonio Chapéu
    25 de novembro de 2008

    Rodrigo,
    é sempre bom ter o retorno das pessoas que acompanham o nosso trabalho. É ainda melhor quando vem de uma pessoa que está antenada não só com a cultura local mas com o que está acontecendo nesse mundão de Deus, como no seu caso.
    Fico bastante feliz com a sua impressão sobre a peça e isso nos fortalece para continuarmos nossa busca por um trabalho de qualidade e que toque as pessoas. Ainda mais nos dias de hoje onde tudo caminha para ser descartado e não ter importância.
    Um abraço e viva nossa patacoada!!!

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Publicado às 25 de novembro de 2008 por em Teatro e marcado , , , .

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